quinta-feira, 29 de julho de 2010

experiência de escrita 3

(continuação do texto publicado aqui)
 
Demasiado tempo, demasiado, que se esboroa por entre o delicado entrelaçado dos nossos dedos e que nos faz sentir se não teremos ido, mais uma vez, um pouco além do que deveríamos, forçando a corda mais um milímetro, até ao desastre total que se adivinha por este lados.
Não era suposto que isto acontecesse, não tinha, do todo, sido programado que tal pudesse algum dia acontecer, mas foi o que sucedeu, e não há volta a dar, nada a fazer, quando as evidências nos apontam na mesma direcção, a do infindo e breve pesar, sem limites recortados em papel ou decalcados da laje fria e lazarenta aos nossos pés.
Recordo-me de um outro tempo em que tudo era diverso do actual, tudo era diferente no essencial, e se diluía continuamente em terrenas, inconsequentes incertezas sem propósito nem agravo considerável.
Em atropelos continuados, os soluços sobrepõem-se às palavras que poderia proferir, aos sentimentos que poderia definir, aos acontecimentos que poderia imaginar. Já nem o cigarro me conforta, de tal modo sorvido foi, já nada lhe resta, tal como a mim. Vazia por dentro, desprovida de conteúdo, uma massa ausente de sentido e informe na ligeireza distante da luz difusa que preenche esta sala aonde me encontro.
Detenho-me um pouco mais por entre estes negros e profundos instantes decepcionantes, mas sinto, está na hora de partir. Tenho de tirar as calças, recordam-me demasiado de tudo o que aconteceu, perfuram-me a mente com recordações obtusas e inconvenientes.
Tenho de sair, agora. Visto uma coisa qualquer do monte da roupa. Se estes pormenores nunca foram importantes, neste momento, ainda menos o são. Qualquer coisa serve, quem estará lá para me dizer que deveria cuidar do meu aspecto, que deveria fazer jus ao meu género? O cabelo desalinhado fica, não tenho por quem o cuide, para quem o penteie. Isso tudo acabou, ontem, foi-se, como um pedaço imprestável de papel, um fragmento partido de um copo, uma beata sorvida até ao fim.

(continua aqui)

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